Eclética Química
Print ISSN 0100-4670








Eclet. Quím. vol.27 no.special São Paulo 2002
 
 
 

Discriminação geográfica de águas minerais do Estado de São Paulo através da análise exploratória

Geographical discrimination of mineral waters from São Paulo state through exploratory analysis
 



 

Fernando Vitorino SilvaI, II; Marcos Yassuo KamogawaI,II; Márcia Miguel Castro FerreiraIII; Joaquim Araújo NóbregaI; Ana Rita Araujo NogueiraII

IGrupo de Análise Instrumental Aplicada - Departamento de Química - UFSCar - 13565-905 - São Carlos - SP - Brasil
IIEmbrapa Pecuária Sudeste - EMBRAPA - 13560-970 - São Carlos - SP - Brasil
IIIInstituto de Química - UNICAMP - 13083-960 - Campinas - SP - Brasil
 



 

RESUMO

Neste trabalho procurou-se correlacionar e agrupar amostras de água mineral provenientes de diferentes regiões do Estado de São Paulo a partir da análise exploratória dos valores de pH e teores de Ba, Ca, K, Mg, Na e V. Utilizando a análise de componentes principais (ACP) e a análise hierárquica de agrupamentos (AHA) foi possível avaliar a similaridade das amostras analisadas com a formação de grupos que estavam diretamente correlacionados com a procedência ou propriedades da água mineral. Em análise exploratória é utilizado termos como "scores" que fornecem a composição das componentes principais em relação aos objetos (amostras) e "loadings" fornecem essa mesma composição em relação às variáveis. Através dos gráficos de "scores" e "loadings" e dendogramas observou-se a formação de dois grupos distintos e a separação das amostras provenientes das cidades de Ibirá e Itú. O primeiro agrupamento observado é formado por amostras provenientes da região Serra da Mantiqueira (Águas da Prata, Campos do Jordão e Lindóia), enquanto que o segundo agrupamento compreende as amostras provenientes de cidades localizadas sobre o Aquífero Guarani (Águas de Santa Bárbara, Palmares Paulista, Presidente Prudente, São Carlos, São Simão e Santa Rosa do Viterbo). A separação das amostras provenientes de Ibirá ocorreu devido a predominância em sua composição mineral dos elementos V e Na, enquanto para as amostras procedentes de Itú foi observada maior contribuição dos elementos Ca, Ba e Mg. A aplicação da análise exploratória possibilitou correlacionar a composição química com a localização geográfica das amostras de água mineral, produzindo resultados úteis para o controle de qualidade e a construção de modelos de classificação ou previsão.

Palavras-chave: Análise de componentes principais; análise exploratória; análise hierárquica de agrupamentos; água mineral; quimiometria
 



 

ABSTRACT

The correlation and grouping of mineral waters from different regions of São Paulo state was carried out using exploratory analysis of pH values and Ba, Ca, K, Mg, Na and V contents. By using principal components analysis (PCA) and hierarchical cluster analysis (HCA) was possible to evaluate the similarity of mineral water samples through group formation that was directly correlated with their sources. Employing scores, loadings and dendogram graphics was possible to observe the formation of two groups and the separation of Ibirá and Itú mineral water samples. The first group is composed by samples from Serra da Mantiqueira region (Águas da Prata, Campos do Jordão and Lindóia) and the other one is formed by samples from cities located above the Guarani Aquifer (Águas de Santa Bárbara, Palmares Paulista, Presidente Prudente, São Carlos, São Simão e Santa Rosa do Viterbo). The segregation of Ibirá samples was due to predominant presence of Na and V in their mineral composition, while for Itú samples it was observed higher contribution of Ba, Ca and Mg elements. The application of exploratory analysis enabled to correlate the chemical composition with the geographical source of the mineral water samples producing useful results for establishing of classification and prevision models.

Keywords: Principal components analysis; exploratory analysis; hierarchical clustering analysis; mineral water; chemometry
 



 

Introdução

Os avanços das técnicas analíticas proporcionaram a obtenção de um maior volume de resultados que, conseqüentemente, exigiram métodos mais complexos para o tratamento dos dados experimentais2. A análise multivariada surgiu como uma importante ferramenta permitindo a extração de uma quantidade maior de informação que dificilmente seria gerada empregando métodos univariados2.

Procedimentos para controle de qualidade ou discriminação da origem geográfica de amostras de mel8,6, uvas4, vinho5,1 e bebidas não-alcólicas9 empregando métodos estatísticos multivariados têm sido propostos na literatura ao longo da última década. Diferentes estratégias podem ser utilizadas para se obter a informação desejada em experimentos dessa natureza. A análise de componentes principais (ACP) e a análise hierárquica de agrupamentos (AHA) são metodologias exploratórias que visam evidenciar similaridades ou diferenças entre amostras em um determinado conjunto de dados2. Desse modo, tornam-se perfeitamente aplicáveis em experimentos de rastreabilidade.

Na análise de componentes principais de um conjunto de dados formado por m amostras e n variáveis, as informações contidas no espaço de dimensão n são comprimidas através de combinações lineares das variáveis originais a um espaço geralmente de ordem 2 ou 3. Desse modo facilita-se a visualização da informação contida nos dados experimentais2,3,11. Na análise hierárquica de agrupamentos são calculadas distâncias métricas entre as amostras que formam o conjunto de dados, sendo essas agrupadas de acordo com o grau de similaridade apresentado2. De modo geral, menores distâncias estão associadas a um elevado grau de similaridade, enquanto que maiores distâncias indicam o comportamento oposto.

Em relação às amostras de águas minerais, entende-se que a constituição mineralógica da região na qual é feita sua captação determinará sua composição química7. Diferentes formações geológicas conferem à água depositada nos lençóis freáticos distintas composições minerais, que facilmente podem ser evidenciadas através da utilização de métodos multivariados. Neste trabalho, foram empregados os métodos de ACP e AHA para correlacionar os valores de pH e teores de Ba, Ca, K, Mg, Na e V com a procedência de diferentes amostras de água mineral do estado de São Paulo.
 



 

Materiais e método

Instrumentação

Um espectrômetro de emissão ótica com plasma induzido simultâneo e configuração axial (Varian VISTA AX-CCD, Mulgrave, Australia) foi empregado na quantificação dos teores de Ba, Ca, K, Mg, Na e V. Os valores de pH foram medidos empregando eletrodo de vidro com junção dupla acoplado a potenciômetro (Mettler Toledo 355, Halstead, UK). As condições operacionais empregadas na determinação espectrométrica são apresentadas na tabela 1.
 



 
 
 




Tratamento estatístico

Para efetuar a análise exploratória dos dados (ACP e AHA) foi empregado o programa estatístico Pirouette 2.0 (Infometrix, Washington, EUA). As determinações químicas foram realizadas em triplicata para cada amostra. Todos os valores obtidos foram considerados para construção da matriz de dados.

Para realização do tratamento estatístico os dados originais foram dispostos na forma de uma matriz de ordem 48 ´ 7, na qual estavam representadas as 48 determinações realizadas e as 7 variáveis avaliadas. Esse conjunto de dados foi centrado na média e escalado em função da variância dos resultados, devido às diferentes intensidades de resposta encontrada para as variáveis consideradas (valores de pH e teores de Ba, Ca, K, Mg, Na e V).
 



 

Resultados e discussão

Previamente à aquisição dos dados para realização dos tratamentos estatísticos, avaliou-se o efeito sazonal do clima sobre a composição química das amostras de água provenientes das diferentes fontes hidrominerais. Desse modo, foi possível verificar se a constituição mineral da amostra poderia ser utilizada como "impressão digital" da água analisada para estudos de rastreabilidade. A tabela 3 apresenta os resultados obtidos para duas amostras com diferentes datas de envasamento.
 
 




Os dados apresentados na tabela 3 mostram que para os diferentes períodos do ano não foram observadas alterações significativas na composição das amostras de água mineral, podendo então sua composição química ser utilizada como variáveis em processos de classificação, com base na origem geográfica, sem a observação de efeitos sazonais.

A tabela 4 apresenta o conjunto de dados experimentais utilizado para realizar as análises exploratórias ACP e AHA. As amostras provenientes de Campos do Jordão, Águas da Prata, Ibirá, São Simão e Presidente Prudente possuem duas coletas em períodos diferentes e as demais apenas uma.
 
 





Análise de componentes principais

Realizando a análise de componentes principais foi verificado que as componentes PC1 e PC2 representam 78,6% da variância total dos dados e fornecem informações discriminatórias das amostras. Através do gráfico de "scores" (figura 2) observa-se a formação de dois agrupamentos e o comportamento anômalo para duas amostras que se distanciaram dos grupos formados.
 
 




O comportamento distinto apresentado pelas amostras de Ibirá e Itú foi causado pelos teores de Ba, Ca, Mg, Na e V. As amostras provenientes de Ibirá apresentaram maiores teores de Na e V, enquanto que nas amostras provenientes de Itú destacaram-se os elementos Ba, Ca e Mg (figura 2). Essa observação é concordante com a classificação da água proveniente dessas cidades (alcalina vanádica e alcalina-terrosa, respectivamente). Possivelmente esse comportamento está associado à particularidades do solo das respectivas regiões.

Em relação aos dois grupos formados, percebeu-se que as regiões de onde as amostras eram provenientes apresentavam como característica semelhante a proximidade à região da Serra da Mantiqueira (Águas da Prata, Campos de Jordão e Lindóia), ou a localização sobre o Aquífero Guarani, que se estende no sentido nordeste/sudeste do Estado São Paulo (Águas de Santa Bárbara, Palmares Paulista, Presidente Prudente, São Carlos, São Simão e Santa Rosa do Viterbo) (figura 2)10.

As amostras provenientes de Águas da Prata, Campos de Jordão e Lindóia (região da Serra da Mantiqueira) formaram um grupo devido a semelhança nos teores de Ba, Ca e Mg (figura 2).

Dentro do grupo formado pelas cidades que se localizam sobre o aqüífero Guarani pode ser observado um ligeiro deslocamento das amostras provenientes de Santa Rosa do Viterbo e São Simão. Isso ocorreu devido aos menores teores de Ba, Ca, K e Mg apresentados pelas amostras dessas cidades (figura 2). Essa diferença na composição química provavelmente pode estar relacionada com os diferentes perfis de profundidade do aqüífero nas regiões das cidades avaliadas10. Santa Rosa do Viterbo e São Simão se localizam em uma região do aqüífero de menor profundidade, enquanto que as demais amostras desse grupo são provenientes de regiões com maiores profundidades10.

Análise hierárquica de agrupamentos

As tendências observadas através da ACPs foram confirmadas através do dendograma obtido pela análise de AHA (figura 3). Amostras provenientes das cidades localizadas sobre o aqüífero Guarani formaram um agrupamento no qual pode ser observada a ligeira diferença apresentada pelas amostras de São Simão e Santa Rosa do Viterbo (formação de sub-grupo). Ibirá e Itú se localizam no dendograma separadas das demais amostras do conjunto de dados, enquanto que as amostras da região da Serra da Mantiqueira se classificam dentro do mesmo agrupamento.
 
 






 

Conclusão

Empregando os métodos exploratórios ACP e AHA foi possível correlacionar os valores de pH e os teores de Ba, Ca, K, Mg, Na e V com a procedência das diferentes amostras de água mineral do estado de São Paulo. As variáveis Ba, Ca e Mg foram responsáveis pela discriminação das amostras provenientes da Serra da Mantiqueira em relação àquelas pertencentes ao grupo formado pelas cidades localizadas sobre o aqüífero Guarani. Os resultados obtidos podem ser utilizados para a construção de modelos de previsão ou classificação, com o objetivo de prever a origem de amostras de água mineral provenientes das regiões estudadas, evidenciando a potencialidade da utilização de metodologias multivariadas na execução de experimentos de rastreabilidade.
 



 

Agradecimentos

Os autores são gratos à FAPESP pelo suporte financeiro (98/10814-3) e a bolsa de estudo fornecida ao aluno F.V. Silva (00/00997-5). M.Y. Kamogawa, A.R.A. Nogueira e J.A. Nóbrega também agradecem as bolsas concedidas pela CAPES e CNPq.
 



 

Referências Bibliográficas

1 ARVANITOYANNIS, I.S.; KATSOTA, M.N.; PSARRA, E.P.; Application of quality control methods for assessing wine authenticity: Use of multivariate analysis (chemometrics). Trends Food Sci. Technol. v.10, p.321-336, 1999.

2 BEEBE, K.R.; PELL, R.J.; SEASHOLT, M.B. Chemometrics: A practical guide. New York: John Wiley & Sons, 1998. 348p.

3 FERREIRA, M.M.C; ANTUNES, A.M.; MELGO, M.S.; Quimiometria I: Calibração multivariada, um tutorial. Quim. Nova, v.22, p.724-731, 1999.

4 FORVEILLE, L.; VERCAUTEREN, J.; RUTLEDGE, D.N. Multivariate statistical analysis of two-dimensional NMR data to differentiate grapevine cultivars and clones. Food Chem., v.57, p.441-450, 1996.

5 KALLINTHRAKA, S.; ARVANITOYANNIS, I.S.; KEFALAS, P. Instrumental and sensory analysis of Greek wines: Implementation of principal componente analysis (PCA) for classification according to geographical origin. Food Chem., v.73, p.501-514, 2001.

6 LATORRE, M.J.; PENA, R.; PITA, C. Chemometrics classification of honeys according to their type. II. Metal content data. Food Chem., v.86, p.263-268, 1999.

7 NISHIHARA, L.; ALABURDA, J.; MAIO, F.D. Características físico-químicas das águas de fontes minerais da região da grande São Paulo. Rev. Inst. Adolfo Lutz, v.57, p.19-25, 1998.

8 PARAMÁS, A.M.G.; BÁREZ, J.A.; VILLANOVA, R.J.G. Geographical discrimination of honeys by using mineral composition and common chemical quality paramaters. J. Sci. Food Agric., v.80, p.157-165, 2000.

9 SCHREYER, S.K.; MIKKELSEN, S.R. Chemometric analysis of square wave voltammograms for classification and quantification of untreated beverage samples. Sens. Actuat., v.71B, p.147-153, 2000.

10 SÃO PAULO. Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Conheça melhor o aquífero Guarani. Disponível em: <www.ambiente.sp.gov.br/aquifero/veja_aquifero.htm>. Acesso em: 20/10/2001.

11 SENA, M.M.; POPPI, R.J.; FRIGHETTO, R.T.S. Avaliação do uso de métodos quimiométricos em análise de solo. Quim. Nova, v.23, p.547-556, 2000.
 
 
 

Recebido em 20.12.2001
Aceito em 18.01.2002