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Métodos computacionais
decifram
mecanismos de ação de
fármacos
Projeto
temático tem como objetivo eventual proposição de novos
compostos que possam ser mais eficazes
e menos tóxicos
MANUEL
ALVES FILHO
Há uma máxima no mundo
da ciência segundo a qual é impossível produzir, nos dias que correm,
qualquer pesquisa científica sem o
suporte da informática. O aforismo é especialmente verdadeiro no caso
dos estudos desenvolvidos no Laboratório de Quimiometria Teórica e Aplicada
(LQTA), coordenado pela professora Márcia Miguel Castro Ferreira, do Departamento
de Físico-Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Uma das linhas
de pesquisa da equipe do LQTA, que compõe projeto temático financiado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
consiste no desenvolvimento de métodos computacionais capazes de relacionar
as diversas estruturas químicas presentes em fármacos e suas atividades
biológicas. Em outras palavras, os cientistas criam modelos teóricos
para decifrar os mecanismos de ação de determinadas substâncias efetivas
em doenças de importância social. O objetivo final dos estudos é a eventual
proposição de novos compostos que possam ser mais eficazes e menos tóxicos.
De acordo com a professora
Márcia Ferreira, a informática cumpre uma função importante nesse tipo
de estudo, mas há a necessidade do estabelecimento da interface entre
ela o objeto analisado, missão que cabe à quimiometria. O projeto temático
em questão, com duração total de quatro anos, será encerrado no final
deste ano, conforme a docente. Ela entende que a iniciativa foi muito bem-sucedida.
Por conta das pesquisas realizadas especialmente nesse projeto, já foram
defendidas uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado. Outras
duas teses de doutorado serão concluídas até o final do ano. Até aqui,
foram publicados 23 artigos em revistas internacionais indexadas, um capítulo
de livro e três capítulos em anais de congressos. “Também contabilizamos
19 participações em eventos científicos nacionais e outros 20 em eventos
internacionais. Esses números indicam que nossos trabalhos nesta linha
estão sendo bem recebidos pela comunidade científica”, infere a docente
do IQ.
Uma das preocupações
do grupo, prossegue a especialista, é estudar a relação de compostos
usados no tratamento de enfermidades com alta prevalência em alguns grupos
populacionais, como malária, tuberculose, doença de chagas e Aids. Uma
das orientadas da professora Márcia Ferreira trabalhou, por exemplo, com
hidrazidas, que são agentes empregados no combate à tuberculose. Graças
às ferramentas computacionais e aos modelos matemáticos e estatísticos
propostos, a autora conseguiu entender como o fármaco atua no organismo.
“Para chegar aos resultados finais, nós nos valemos de informações
fornecidas pela química teórica e pela química experimental, que foram
posteriormente analisadas por técnicas quimiométricas”, explica a docente.
Ainda no contexto do projeto
temático, outro orientado da professora do IQ trabalhou com lignano-lactonas,
agentes com propriedades antichagásicas. O intuito mais uma vez foi estabelecer
a relação entre a estrutura química dessas substâncias com a atividade
biológica. Além disso, o mesmo pesquisador desenvolveu um estudo relativo
a um dos mecanismos mais importantes de resistência múltipla de bactérias
e fungos, por meio de bombas de excreção ou efluxo. “A meu ver, esta
foi uma das pesquisas mais importantes produzidas pelo grupo. Por meio
da modelagem computacional, nós conseguimos entender melhor como é o
mecanismo usado por esses microorganismos para adquirir resistência contra
as drogas. Trata-se de uma contribuição importante, pois por meio desses
resultados será possível buscar novos compostos que possam burlar esse
sistema de defesa dos microorganismos”, esclarece. Estudar esse tipo
de resistência microbiana, complementa a docente, também é muito importante
para outras áreas, como agricultura, ciência de alimentos, ciências
ambientais e mesmo medicina, visto que as bombas de efluxo estão igualmente
presentes no tratamento do câncer.
Por analogia, o que os integrantes
do grupo coordenado pela professora Márcia Ferreira tentam fazer é o
mesmo que os estrategistas militares apregoam. Ou seja, eles procuram conhecer
detalhes e a forma de ação do “inimigo”, nesse caso no plano molecular
ou atômico, para assim poder derrotá-lo. Nessa linha, um orientando da
docente do IQ, cuja tese de doutorado deverá ser defendida ainda este
mês, está investigando a ação das carboxamidas na inibição da enzima
HIV-integrase. Também aqui, a tarefa é entender como é o mecanismo de
ação dessas substâncias.
Ademais, duas outras pesquisas
desenvolvidas no âmbito do projeto temático, uma delas ainda em andamento,
trabalharam com derivados de artemisinina, que constituem uma nova classe
de antimaláricos com baixa resistência do parasita. A primeira delas
investigou como se dava a ligação entre o composto e o ferro proveniente
da hemoglobina, que constitui a primeira etapa de ação do fármaco. A
segunda, que complementa a anterior, procura fazer a relação entre a
estrutura química e a atividade biológica.
validação dos modelos
matemáticos utilizados nas pesquisas, segundo a professora Márcia Ferreira,
tem colocado o grupo na linha de frente dessa área do conhecimento, inclusive
no plano internacional, como tem sido atestado pela repercussão das diversas
palestras proferidas a respeito do trabalho em congressos internacionais
recentes (Finlândia em 2007 e Turquia este ano). A validação e interpretação
de modelos são procedimentos indispensáveis nessa área, como comprova
a quantidade e a diversidade de trabalhos recebidos para publicação no
Journal of Chemometrics, um dos principais do segmento, da qual a docente
do IQ é uma das editoras.
Embora os resultados obtidos
até aqui pela equipe do LQTA sejam animadores, a cientista reconhece que
ainda falta dar um passo adiante no sentido de o Brasil conseguir sintetizar
e testar novos compostos contra essas e outras doenças. Um aspecto a ser
aperfeiçoado no projeto seria o estabelecimento de uma cooperação mais
estreita com grupos experimentais, que seriam responsáveis por sintetizar
e posteriormente testar novos fármacos em modelos animais e, por último,
promover ensaios clínicos. “Nossa expectativa é que essa parceria possa
ocorrer num futuro próximo”, projeta a professora Márcia Ferreira,
que admite a possibilidade de propor um novo projeto temático à Fapesp
para o desenvolvimento de mais investigações na área. Ela lembra que
o grupo trabalha nas esferas computacional, de análise de dados experimentais
e teóricos provenientes não apenas dos trabalhos desenvolvidos no âmbito
do projeto temático, mas também em várias outras linhas de pesquisa,
como no recente projeto de cooperação denominado FP7 relacionado ao biodiesel,
que tem participação da Comunidade Européia.
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